segunda-feira, janeiro 02, 2006

1º de Dezembro Enterro do Miguel

1º de Dezembro

O Enterro do Miguel

Entre as várias tradições dos alunos do Colégio Militar, esta existe há muito radicada e é uma das que mais complexa execução exige. Contam-se, pelo menos, 100 anos de existência, com base no testemunho do rata 206/1897, Coronel João Brás d'Oliveira, que em entrevista ao jornal "Colégio Militar", em 1957, recordou com saudade aquela data gloriosa para a Pátria, "em que os alunos comemoravam à sua maneira".

A "Mocada", assim conhecida na gíria colegial recente, é uma pitoresca reconstituição da acção que um grupo de conjurados levou a efeito no dia 1 de Dezembro de 1640, no intuito de destronar o jugo espanhol. Realiza-se portanto no dia anterior ao feriado, visto ser o único dia em que os alunos se encontram presentes.

Eis a cena que se repete e que a História perfilha:

Os alunos do 7.º e 8.º anos, representando respectivamente os castelhanos e os portugueses, desfilam à volta dos claustros para melhor apreciarem seus trajes. Orgulhosos do seu estandarte e do seu hino, que exibem e cantam confiada e sentidamente, ocupam, de seguida, lados opostos, preparando-se para o confronto. Empenhando agressivamente a "moca" (colcha ou lençol de cama molhados, ensaboados e enrolados), sucedem-lhe as recíprocas e habituais ameaças entre inimigos. Ao som das nove badaladas, na velha sineta da Porta Principal, irrompem pelos claustros, no centro dos quais se defrontam. Apenas alguns minutos bastam para levar de vencida a "guarda espanhola". A luta nos claustros termina quando os espanhóis concentrados junto às escadas de acesso às varandas, são vencidos e os portugueses invadem o Paço e vão ao andar superior.

Sobem, então, alguns portugueses à varanda onde convidam, com lusitano cavalheirismo, a Duquesa de Mântua (aluno devidamente mascarado), governadora de Portugal ao serviço de Filipe III, a afastar-se pela porta se o não quiser fazer pela janela. Escondido num armário, o traidor Vasconcelos, normalmente simbolizado por um boneco, é descoberto, atirado para a rua e sujeito à ira e revolta do povo, que o esmaga. Ao grito de "Liberdade! Liberdade!" é proferido o ansiado discurso, por um dos alunos finalistas (chefe dos revoltosos portugueses), da varanda dos claustros e escrito em "papel de menor qualidade", que verbera ardente e ferozmente os "traidores" e os "inimigos", carinhosamente contemplando nomes e assuntos colegiais, fruto de "enorme coincidência"!! O povo, em baixo, eufórico e expectante, vai vociferando com fortes "Viva" e disputando as páginas do papel que são atiradas da varanda.

Segue-se um desfile final dos vencedores perante a submissão dos positores. No início assume a forma de "enterro do Miguel", com a presença da Duquesa chorosa e subjugada, acompanhando a procissão, encabeçada por um padre, devidamente apetrechado com o balde, contendo "água benta", e a indispensável vassourinha de piaçaba, com a qual vai respeitosamente salpicando os ilustres assistentes e curiosos. O cortejo transforma-se, depois, num "abrir de fileiras", no exterior do edifício dos claustros, compostas pelos alunos do 7.º e 8.º anos, no meio das quais passam todos os restantes, simbolizando isso a expulsão dos intrusos do território português e a humilhação de todos os que não se insurgiram patrioticamente contra o domínio castelhano.

O "Enterro do Miguel" é, talvez, uma data das mais simbólicas e interessantes tradições do Colégio. Com esta tradição o Colégio, casa de nobilíssimas tradições, associa-se às comemorações da Restauração da Independência de Portugal, no 1º de Dezembro.

Ao mesmo tempo que se evoca a libertação em 1 de Dezembro de 1640, os alunos fazem, paralelamente, uma crítica ou sátira recheada de humorismo e ironia obre determinados aspectos da vida colegial, aos professores e oficiais, aos próprios alunos, etc. , utilizando metáforas e segundos sentidos a partir do facto histórico ou das personagens com ele relacionadas: o Miguel de Vasconcelos, a Duquesa de Mântua, os "cães" espanhóis e os heróicos portugueses.

Os alunos aparecem disfarçados com os trajos mais bizarros e originais, fazendo alarde da sua criatividade, imaginação e alegria.

A tradição, não procura ser algo de doloroso, negativo ou até mesmo prejudicial. Embora não constada nas Normas do Colégio, deve ser inserida no Código de Honra do Aluno do Colégio Militar, e não deve cair em despotismo ou humilhação.

O Selar das Barretinas

Esta cerimónia designada pelo "Selar da Barretina", é efectuada pelos alunos graduados e traduz a continuidade de uma tradição iniciada há mais de cinquenta anos atrás. Outrora chamado por "Armar cavaleiro" e com vertentes ligeiramente diferentes é agora caracterizado por "Selar da Barretina".

Realiza-se na tarde do dia em que se comemora no meio colegial o 1.º de Dezembro de 1640, relembrando o acto de D. Filipa de Vilhena que armara durante a revolução de Restauração da Independência de Portugal os seus filhos cavaleiros.

Numa cerimónia tradicionalmente efectuada nos Claustros, os "Ratas" entram na formatura do Batalhão de cabeça descoberta e com a barretina "virgem" na mão, os "Ratas" entregam-na ao seu graduado enquadrante, para que este, depois de a amachucar ligeiramente, com o joelho, na parte superior, lhe coloque a barretina, completando o uniforme e assinalando de forma solene e oficial a integração dos novos alunos no Batalhão do Colégio Militar.

Esta mística tradição, assinala a primeira formatura em que os "Ratas" se integram no Batalhão Colegial usando o seu uniforme de gala.

Como se sabe, esta peça do uniforme, tão característica que é o símbolo mais querido dos alunos do Colégio Militar, é o emblema aglutinador de todos os que alguma vez envergaram o uniforme cor de pinhão.

O "Selar da Barretina", muito para além do aspecto meramente utilitário - pois que ela assenta, sem dúvida, bem melhor assim "selada" do que novinha em folha - é como uma personificação dessa peça do uniforme, ou seja, uma espécie de identificação com o aluno a quem foi conferida a honra de a usar. Uma espécie de apadrinhamento por parte do graduado selador que reflecte o estender de uma casa marcada pelos valores nacionais e de tradição.

Ela fica, assim, como que marcada por um dos veteranos, para ser usada por um dos alunos mais jovens que vão iniciar-se na vida e no espírito colegiais.

Nenhum aluno deve ou pode usar uma barretina que não tenha sido "selada". É como que usar algo de impessoal.

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